Malaquias

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Foi num lindo dia de verão, em Junho, que a caracol Benvinda deu a luz . Viu sair do ovo que chocou durante nove semanas o bebé mais belo que poderia imaginar. Era o seu primeiro filho. Chamou-lhe Malaquias e após descansar durante dois dias teve de sair, com um certo custo, para se alimentar pois tinha medo que o seu leite não fosse suficientemente forte para nutrir o Malaquias .Trepou a mais linda roseira do jardim que dava umas rosas grandes, de pétalas vermelhas, e que em dias de sol emitia um cheiro maravilhoso. Por isso, aliás, escolheu o espaço em baixo como local para o seu filhote nascer. Queria ser a melhor mãe do mundo a partir do instante que o Malaquias quebrou a primeira casca do ovo. O jardim era mesmo muito bonito. Nesse canteiro, junto ao muro de pedra, tinha outras rosas de variadas cores e tamanhos. Amarelas, brancas, cor-de-rosa, faziam uma espécie de arco-íris que nascia no fontanário, integrado no muro de pedra, e ia beber ao lago que ficava um pouco depois do final do canteiro. O lago era habitado por muitos peixes vermelhos que brilhavam como o ouro quando o sol raiava. Depois, a volta do laguinho, tinham mais três pequenos canteiros com flores muito bem cuidadas. Finalmente haviam dois canteiros bastante maiores, simplesmente com relva, embora um tivesse também um anexo em areia com um carrossel, um escorrega e dois balancés onde os humanos brincam.
Já saciada a caracol Benvinda trouxe o bebé Malaquias para o exterior da casinha para lhe mostrar o lindo dia que fazia e também para o amamentar. Mas o bebé embora parecesse estar contente com o que via não mamava o leite por mais que a mãe caracol insistisse. De tal modo que ela pensou que talvez fosse devido ao frio e resolveu reentrar na casinha mas o bebé ficou ainda mais irritado e a mãe caracol, coitadinha, ficou sem saber o que fazer. Exaustos, os dois acabaram por adormecer.
Infelizmente esta falta de apetite do Malaquias tornava-se uma tendência e sua mãe, Benvinda, começava a preocupar-se. Tinha medo que se trata-se de uma doença desconhecida e sabia que se não alimenta-se correctamente o seu filho desde bebé um dia, quando ele cresce-se, não seria um caracol saudável como os outros. Teria que ir muitas e muitas vezes ao médico, não se poderia dedicar a certas actividades que os caracóis saudáveis se dedicam, e logo não seria feliz. Cada dia que passava a mãe caracol andava mais triste pois sentia que o seu filho dependia dela para se alimentar correctamente.
Quando o Malaquias fez seis semanas já dizia “Mãe; sim; não;” entre outras palavras, embora não tão explicitas. Mas ele aprendia muito depressa e em poucas semanas já compreendia quase tudo o que a mãe lhe dizia. Todavia os progressos do bebé Malaquias não eram lá muito genéricos: parecia até ser bem espertalhão mas não era nada comilão. Benvinda tinha a impressão de que ele a medida que crescia comia cada vez menos em vez de, isso sim, comer mais. Andava extremamente inquieta pois o Inverno aproximava-se a passos largos e caso os caracóis não estejam bem nutridos quando ele chegar será difícil sobreviverem, principalmente os bebés e particularmente os mais frágeis. A mãe caracol passava os dias a explicar ao seu filho que era preciso, por exemplo, beber muito leite porque este é rico em cálcio, que é essencial para um bom desenvolvimento e manutenção da sua casinha, e em vitamina C que reforça o sistema imunitário. O sistema imunitário é responsável pela protecção do organismo contra os germes que transportam doenças como a gripe ou a constipação.Era já Setembro quando o caracol Acácio, tio de Benvinda, lhe veio fazer uma visita. “Olá, tio Acácio! Bons olhos o vejam!”
“Olá Benvinda! Estão bem de saúde vocês os dois?” “ Estamos sim, obrigado. O meu tio está muito fero! Quem diria que já tem quase nove anos. E o que é que o traz por cá?” “ Vim informar-te de que existe um formigueiro no jardim. Chegaram há alguns dias, instalaram-se ao fundo do muro e parece que não tardarão a atacar” “ Meu Deus!” Gritou Benvinda, assustada “Eu vou-me mudar para uma horta não muito longe daqui.” “E como é que se chega lá tio Acácio?” “ Tens que sair pelo portão, segues o carreiro a direita, depois atravessas o caminho e é logo ai.” “Mas não existem galinhas nessa horta!?” Perguntou Benvinda preocupada “ Existem pois” retorquiu Acácio “mas bem sabes que os humanos só as soltam ao fim do dia e que, pelo menos, o seu malvado bico não chega as folhas de couve mais altas. Enquanto que as malditas formigas chegam a todo o lado e não descansam até nos devorarem por completo” “É verdade” concordou a Benvinda “ Adeus sobrinha” “Até qualquer dia tio Acácio, e, muito obrigado!” “Não te quero desassossegar, mas olha que a casinha do teu filho parece-me um pouco frágil. Se não te acautelas as galinhas chamam-lhe um figo” disse o velho caracol já afastado.

Para aumentar o seu desespero, a mãe caracol lembrou-se de que o Malaquias já tinha quase três mêses e que dentro de pouco tempo o seu leite acabaria. O pior é que o seu bebé ainda mal sabia comer, mesmo das folhas mais tenrinhas. Subiram a uma roseira para se alimentarem devidamente para a viagem. A mãe caracol esforçou-se mais uma vez a ensinar o Malaquias a comer sozinho.
Como o sol ainda estava bem alto começaram a viagem após a refeição. O Malaquias subiu para cima da casinha da mãe e meteram-se a caminho. Como a irrequieta criança tinha agora que ficar sossegada em cima da casa da mãe Benvinda, esta aproveitou a oportunidade para lhe descrever uma horta uma vez que ele sempre vivera naquele jardim. “Uma horta é um local onde vivem muitos caracóis crescidos” explicava a mãe “ existe muito mais alimento e de melhor qualidade. O único problema são os humanos que por vezes colhem as folhas nas quais nós estávamos a alimentar e geralmente não são piedosos, alguns até nos cozinham para o seu almoço. Além das malvadas galinhas como o tio Acácio mencionou.” “Mais, mais” perguntava o Malaquias, curioso. “ Uma das melhores iguarias que se podem encontrar nas hortas são as couves que são ricas em cálcio e magnésio” o caracol Malaquias encolheu os corninhos de cima como quem pisca os olhos depois de um pequeno raciocínio sem grandes resultados. “O cálcio e o magnésio são componentes que aparecem em elevado grau em certos alimentos, como o feijão, e ajudam a manter os ossos, e também a tua casinha claro, fortes e flexíveis” o Malaquias, entusiasmadíssimo, tinha os quatro corninhos em plena agitação. Sua mãe, com a esperança de que ele agora passaria a alimentar-se como deve ser continuava “as cenouras são muito ricas em vitamina C que diminui o tempo de sangramento caso se tenha uma hemorragia, quer dizer, caso te aleijes e faças sangue. Há quem diga que também faz bem á retina e aos olhos em geral.” Tinham acabado de passar o portão e a mãe caracol olhou para trás, em nostalgia. Contemplava o jardim onde deu a luz o seu primeiro filho, jardim que viu o Malaquias a crescer, a dizer as primeiras palavras, a inundar de felicidade o coração da Mãe e, muitas vezes, também, a dar-lhe dores de cabeça por não gostar de comer, só querer brincar, brincar, brincar... Mas com a graça de Deus o seu primeiro filho sobreviveu. Já não era mais um bebé, passava agora a ser uma criança e dentro de um mês ou dois já se alimentaria sozinho, saberia defender-se dos perigos e poderia então ser independente. A Mãe, fatigada, pediu ao Malaquias que caminha-se a seu lado um pouco. Ele até tentou mas como não se alimentava em condições tinha pouca energia e, depois de se arrastar numa distância equivalente a um ramo de uma rosa não aguentou mais e teve que pedir à mãe para o ajudar a subir para cima da casinha dela. A mãe, com um certo sacrifício, levou-o em cima da sua casinha espiral até escurecer. Pernoitaram debaixo de umas ervas altas, de folhas largas, abundantes perto de ribeiros. A mãe caracol estava tensa com a viagem e ficou ainda mais nervosa porque não via estrelas no céu, o que quer dizer que provavelmente iria chover. O Malaquias também não tinha sono e fazia então perguntas à mãe. “Que outros alimentos e que existem na horta?” “Existem nabos, existe alfáce, que é aliás deliciosa, existem tomates, existe salsa,” “Mais, mais,” solicitava Malaquias, excitado, “Algumas hortas também têm cebolas, alhos, repolhos, espinafres. Depende do que os humanos mais gostarem e lá quiserem plantar.” “É vitamina C. Quais são os que têm vitamina C?” queria saber o curioso Malaquias “Vitamina C tem os frutos cítricos, como a laranja e o limão, e todos os legumes de uma forma geral. O tomate é muito rico em vitamina C e ajuda a manter a pele suave e bem hidratada de modo a que nós, os caracóis, nos possamos deslocar melhor; faz também muito bem aos vasos capiláres, quer dizer, ao sangue, torna o sangue mais forte.” Malaquias já recolhera os corninhos e sonhava assim com as maravilhas da horta quando a sua mãe, Benvinda, se preparava para lhe falar sobre as proteínas e a sua importância para um bom desenvolvimento do organismo. Benvinda teve uma insónia e passou a noite a espreitar a porta a ver se o céu limpava. Mas para sua inquietação este escurecia cada vez mais e o vento soprava cada vez mais forte. A Mãe caracol, coitadinha, acabou por não por olho em toda a noite, estava com maus pressentimentos. Cada vez que começava a fechar as pestanas acordava sobressaltada.Logo pela manhã acordou o Malaquias para o amamentar e prosseguirem a viagem, já faltava pouco. Mas o atróz destino achou que a mãe caracol já não deveria amamentar o seu filho Malaquias e assim Benvinda não teve gota de leite para restaurar as energias do seu filhote. Tentaram comer de algumas folhas mas ainda não conseguiam porque estas estavam húmidas do orvalho. Benvinda, muito receosa, lá continuou a expedição, levando o Malaquias em cima da casinha. Queria chegar logo à horta para reabastecer as energias com todas as iguarias que as hortas oferecem, e alimentava ainda a esperança de que Malaquias gostasse mais dos novos sabores e assim ficasse robusto para sobreviver á hibernação. O Malaquias ia muito calado, parecia que não gostava lá muito de céus escurecidos. E a mãe como ia quase a correr não se conseguia concentrar a entreter o filho. Tinham já começado a atravessar o caminho quando um enorme relâmpago clareou a sombria manhã. O Malaquias, assustado perguntou “O que foi isto, Mãe” e a mãe respondeu “ É o Jesus que está a ralhar porque tu só gostas de brincar, e quando a mãe te manda comer tu desobedeces”. A mãe caracol andava o mais rápido que podia e ia quase a chegar a meio do caminho quando caiu o segundo relâmpago, este ainda mais ameaçador. Começaram imediatamente a cair umas pingas grossas e bastas. Continuaram a cair cada vez mais bastas e a engrossarem. Disse ao Malaquias que se agarrasse bem pois corriam o perigo de serem apanhados pela água que deslizava em enxurrada.

Corajosamente a Mãe caracol arriscou passar pela corrente que tomava forma no final do caminho. Já exausta, custava-lhe muito a avançar e a lutar contra a força da corrente. O caudal não parava de aumentar e quando a mãe caracol ia a passar mesmo ao meio, este quase a cobria. Mas como a mãe caracol, que se habituou a comer bem de pequenina, era muito forte e a sua pele bem tratada conseguia-se prender ao solo e assim, lentamente, acabou por vencer a corrente. Estava a mãe caracol já a subir o declive que tem no fim do caminho quando o Malaquias se desequilibrou e começou a desprender-se da carapaça da mãe. Malaquias gritou: “Mãe, mãe, minha rica mãezinha,” “Agarra-te Malaquias, sê bravo, estamos mesmo a chegar”. Mas o Malaquias, que nunca dava ouvidos à Mãe quando ela antes lhe dizia que os bebés e as crianças têm de comer muito bem para quando crescerem serem fortes de modo a resistirem ás hostilidades da natureza, vacilou e caiu para tráz sendo arrastado pela forte corrente. A mãe ainda foi em seu socorro mas a corrente era velóz e Bem-vinda atrozmente, via o Malaquias a ser levado pela água abaixo. No seu desespero de mãe atirou-se a água, arriscando também a sua própria vida. Contudo a distância entre os dois aumentava rapidamente pois o Malaquias era tão levezinho. A mãe perdeu controlo com a força da corrente e já se ia afogando também, perdendo o seu filho de vista e começando a engolir água. De repente sentiu que bateu contra uma espécie de barreira, e parecia-lhe que esta barreira se esforçava por não a deixar ir mais por água abaixo. Ouviu então a desesperada voz do filho “mãe, mãe, mãezinha” mesmo ao seu lado. O Malaquias estava ali ao seu lado, com vida ainda. E observou de imediato que duas robustas lesmas estavam a tentar salvá-los. Uma puxou o Malaquias da corrente para terra enquanto a outra, a mais forte, se aventurou água adentro e os atirou para a margem. A lesma que estava em terra parecia que já tinha salvado outras vidas antes, o cuidado com que ela tratou o franzino caracol era, por assim dizer, de especialista uma autêntica enfermeira. Ela deitou o Malaquias meticulosamente e iniciou uns exercícios de respiração que lhe recuperaram os sentidos rapidamente. A mãe caracol ao presenciar esta divina intervenção já estava a passar do estado de choque, ela até já queria ajudar:
- Em que é que eu posso ser útil?” bocejou.- Se descansar e não atrapalhar, já ajuda bastante” replicou a lesma salva-vidas.


Texto: Marco Botas / Desenhos: Inês Caetano

2 comments:

Anonymous said...

Ora viva amigo Costa...então como é que vão as coisas?...gostei da tua pagina e foi bom vêr o caracol na lua desenho esse que pode assistir a seu "nascimento" lembro-me que passas-te uma noite toda a fazer rabiscos num bloquinho do qual saiu esse desenho como outros que pode ser que um dia também os publiques...continua com essa paixão por caracois mas ve-la se tens espaço em casa para tantos pois da ultima vez que lá estive parecia que não tinhas espaço para mais tamanha era a contidade deles...fica bem 1 abraço

J.Carlos

Anonymous said...

Então caracol sei que neste momento estas por os açores a curtir.
Já vi o que vig moreira nosso colega escreveu.
Não tenho a veia poética dele mas posso dizer que o teu blog está c/ muito nivel.
Nos vemos em eurospuma.net
hehehe